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A última encrenca

Arrumava encrenca em todos os lugares que ia. Até com os mendigos conseguia discutir, essa era a vida de Lourdes, uma mulher no auge da decadência dos seus 50 anos. Casada, mãe de três filhos dona de infinitas encrencas.
Certo dia, Lourdes foi até à festa de sua prima, Sandra. Tudo corria normalmente, música tocando, os convidados bebendo, as crianças comendo salgadinhos e a aniversariante fazendo o seu papel de anfitriã. Até que Lourdes resolve fazer o seu pequeno espetáculo, pega o microfone e começa a discursar:
- Muito bem, boa noite!
Todos respondem, já apreensivos com o que viria. Ela continua:
- Não sei se todos aqui sabem, mas a Sandra era puta! E uma das boas, ela trabalhava oito horas por dia, horário comercial, tinha clientes fiéis, tudo direitinho!
Nesse momento os convidados se entreolhavam e já era possível ouvir pelos cantos:
- Puta? A Sandra? Como assim puta?
Lourdes continuou:
- Pois é meu povo, puta! Como vocês acham que ela sustentou a Carlinha e o João sendo mãe solteira e sem carteira assinada? Fazia programa!
Aquela revelação era uma grande surpresa para todos que estavam ali presentes, a minoria sabia daquilo, e os filhos de Sandra não faziam ideia.
Um verdadeiro circo de horrores estava por vir. Sandra tinha uma vida muito puritana no presente, e não fazia a mínima questão que procurassem pelo seu passado. Nem o seu marido sabia que um dia, por mais distante que fosse, ela tinha sido uma garota de programa.
No calor do momento, Zeca, marido de Sandra, dá um empurrão em Lourdes, que se equilibra para não cair e captura o microfone da mão dela, dizendo a todos:
- Não escutem essa maluca, vamos expulsá-la e continuaremos a nossa festa!
E assim ele o fez, puxou Lourdes pelo braço até a porta do salão de festa e disse:
- Escuta aqui sua velha mal comida, não vou aceitar encrenca no dia do aniversário da minha mulher, está sabendo? Se eu souber de mais uma, vai ser a última. Você já é muito velha para agir como uma adolescente mimada.
Zeca empurra Lourdes pela segunda vez e diz:
- Vaza! Estou de olho.
E ela seguindo em direção ao bar mais próximo, mal sabia que a vida de Sandra se tornaria um verdadeiro inferno daquele dia em diante. Todos falariam sobre o seu passado como garota de programa e cairia por terra os trinta anos de vida puritana. Mas era um preço a se pagar.
Já entrando no bar, Lourdes encontra uma velha amiga, a Clarinha, as duas bebem até o limite de ainda conseguirem voltar sozinhas para as suas respectivas casas. Por sorte, quando chegou, seu marido não estava em casa e ela pôde dormir sem dar nenhuma explicação.
No dia seguinte, Zeca que ainda estava furioso, desce a rua e segue em direção à casa de Lourdes. Toca a campainha e para piorar as coisas, quem atende é o marido dela, Xavier.
- Já te contaram o que a tua mulher aprontou ontem?
Surpreso, Xavier diz:
- Não, o que houve, compadre?
- Essa maluca foi na festa da Sandra dizer que ela foi puta há trinta anos atrás, nem eu sabia disso! Como que a minha mulher vai viver com toda essa pressão depois disso?!
- Eu, eu não sei nem o que dizer. Sempre falo para a Lourdes não se meter em confusão, mas parece que não adianta.
- Ela é uma louca, Louca!
Depois disso, Zeca sai andando e Xavier fica falando sozinho.
Passados alguns dias, os boatos já cobriam toda a cidade. Sandra antes vista como exemplo de mulher, agora tinha fama de puta. Zeca pensava "Estou casado com uma puta, com uma puta! Por que eu? Eu não mereço essa vida."
Resolve tomar uma atitude drástica. Reúne a família e anuncia que todos deveriam arrumar as suas coisas, iriam se mudar para a casa de campo da família até acharem um lugar definitivo. Ninguém discordou.
Com todos no carro, Zeca liga o caro e segue viagem. Mas a primeira parada é curta, em frente a casa de Lourdes, ele toca a campainha e dessa vez ela que vem atender. Ela puxa o revólver e mata Lourdes, com três tiros na cabeça. Diz com frieza:
- Se tivesses ficado calada, terias continuado filósofa.

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