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A fuga

Era uma menina calma e bem resolvida. Apesar de estar no auge dos seus quinze anos, ainda não tinha aprontado nada que justificasse a sua adolescência. Jéssica era muito bonita, loira de olhos azuis, chamava atenção por onde passava. 
O grande problema de sua vida, era o convívio familiar. Jéssica era muito pressionada pelos pais, que eram neuróticos, autoritários e não a deixavam fazer nada. Ficava presa no quarto estudando para ser umas das melhores alunas da sala. Era uma situação insuportável para uma simples menina de quinze anos, Jéssica não estava conseguindo lidar com tanta pressão. 
Numa segunda-feira, pouco antes da saída da escola, um outro aluno, que parecia mais velho, se aproxima de Jéssica, e diz:
- Você está sempre com um ar mórbido, nunca te vi sorrindo. 
Ela o olha com um pouco de espanto, e responde:
- Não sei se tenho motivos para sorrir. 
- Por que?
- Nada na minha vida funciona direito. Vivo para estudar e tirar ótimas notas. Parece que nada mais importa. 
- Não entendo porque se pressiona tanto. Você parece bem nova. 
- Sou nova, mas sempre gostei de estudar. 
- Quantos anos?
Jéssica o olha com um olhar desconfiado e aliviado ao mesmo tempo, quando revela:
- Tenho quinze anos. 
- Primeiro ano do ensino médio?
- Isso. E você?
- Estou no terceiro, no fim do ano me formo. 
De repente, surge o carro de seu pai, ela começa a se levantar para ir embora. O rapaz, assutado, indaga:
- Espera. Qual seu nome?
- Jéssica. E o seu?
- Edgard. Gostei de você, às vezes te olho, bem de longe. Fico te admirando. Tem algum contato que possa me passar?
- Tenho. Pode anotar?
- Posso, já pode falar. 
Logo depois de Edgard ter anotado o número de Jéssica, ela foi em direção ao carro de seu pai, sem ao menos olhar para trás. 
Antes mesmo de entrar no carro, Cláudio, pai de Jéssica, questiona:
- Você estava conversando com uma rapaz?
- Estava, papai. Ele... ele é um dos... monitores do colégio, sempre ajuda o pessoal. 
- Certo, não te quero conversando com esses caras do colégio. Você já tira notas boas, não precisa disso. 
- Foi só uma conversa rápida, papai, nada além disso. 
- Não me responda. 
Jéssica abaixa a cabeça, e entra no carro. 
Durante todo o percurso de volta, eles mal se falaram. Quando se falaram, Cláudio apenas demostrava interesse na performance escolar da filha. Não a conhecia, em resumo, era uma estranha que morava em sua casa e precisava tirar notas boas, esse era o acordo. 
Quando chegaram, Cláudio foi pontual:
- Vai almoçar, depois do almoço, estuda até a hora da janta. Sem televisão até a janta, qualquer barulho estranho, qualquer voz estranha, você fica de castigo durante o final de semana. 
- Tudo bem, papai. Vou tomar um banho e estudar até a hora da janta. 
E assim o fez, logo depois do almoço, foi até seu quarto e começou seu ritual diário de estudos. Até que por volta das quatro da tarde, Jéssica recebe uma mensagem de um número desconhecido. Curiosa, resolve olhar, estava escrito "Nossa, não sabia que você se despedia tão rápido. Edgard". 
Aquela mensagem parecia ser uma divisor de águas na sua vida, apesar da beleza, anulada por toda autoridade de sua família, Jéssica tinha desejos. Queria viver, e não apenas ser uma pessoa controlada pela própria família. Respondeu dizendo "Me desculpe, Edgard. Meu pai já estava na porta, ele é muito autoritário, eu não poderia deixá-lo esperando, desculpe.".
Trocaram algumas mensagens até que Edgard propõe que se vissem no dia seguinte, no colégio, Jéssica aceita. 
No dia seguinte, Edgard passa na sala de Jéssica, os dois se cumprimentam com dois beijos no rosto, e saem juntos para o intervalo. Já sentados num banco, Edgard começa a conversa. 
- Gostei muito de conversar contigo ontem. Parece ser uma ótima menina. Sempre tive uma curiosidade em relação a você. 
- Por que?
- Não sei, você não parece como as outras, não parece ser superficial. 
- Sou superficial, sou uma ponta de iceberg, uma garrafa boiando em meio ao oceano. Sou só isso. 
- Sei que é muito mais do que isso. 
Edgard então tem uma ideia:
- Olha Jéssica, o que acha de irmos para o outro pátio, aquele que não tem ninguém?
- Não acho que devemos. 
- Não quer?
- Quero, mas não sei se devo. 
- Se vivermos uma vida na qual não fazemos o que queremos, seremos escravos do dever e dos valores morais. Quantas vezes você já fez alguma coisa guiada pelo instinto?
- Poucas vezes. Sou escrava do dever. 
- Então, vamos?
- Tudo bem, vamos. 
- Vou sair agora então, para ninguém perceber. Vá para lá daqui a uns cinco minutos, tudo bem?
- Certo.
Nesse momento, Jéssica teve mil pensamentos. O desejo de nunca ter sido beijada, apesar da sua beleza. O lado moral, que dizia que ela não devia fazer aquilo. Não sabia o que fazer, mas no último momento, já com as pernas tremendo de nervosismo, resolve ir. 
Quando se encontraram, Edgard, como um verdadeiro gentleman, segura a mão de Jéssica, a leva para um canto onde não poderiam ser vistos, e a beija. 
Jéssica sente o poder do instinto a dominando, e sede ao desejos do corpo. E então, logo depois de mais alguns beijos, os dois se rendem ao poder do instinto, e transam como dois adolescentes. Edgard estava preparado, sempre andava com camisinha. 
O sinal toca, ambos de ajeitam, se beijam e e se despedem. Vão para as suas respectivas salas e Jéssica, ao contrário dos outros dias se sua vida, tinha um brilho no olhar, tinha vida, tinha descoberto o poder do instinto.
Na hora da saída, conversa novamente com Edgard, uma conversa muito mais viva e intensa, parecia a última. 
Seu pai chega, e ela se dirige até o carro. Cláudio nota um brilho no olhar de sua filha, e questiona:
- Você parece feliz. Aconteceu alguma coisa? 
- Hoje a aula foi completamente diferente, aprendi muita coisa. 
- Como o que, por exemplo?
- Que o ser humano tem um lado instintivo, e que devemos ouvi-lo de vez em quando.
- Muito bem, que bom que aprendeu alguma coisa legal hoje. Meu parabéns. Aproveite para estudar essa área, depois do almoço. 
- Tudo bem. 
E assim o fez, depois do almoço, Jéssica foi estudar o instinto humano. No meio da tarde, recebe uma mensagem de Edgard, que ficaria a tarde toda sozinho e perguntou se ela queria passar por lá. Ela diz que sim. Pouco antes da janta, Edgard a deixa em casa, ela volta, entrando pela janela e segundos depois, seu pai bate na porta, dizendo:
- Jéssica, a janta está pronta!
Ela responde:
- Já vou!
Quando abre a porta, Cláudio questiona:
- Estudou?
Ela, com um brilho no olhar, diz:
- Nunca estudei tanto na minha vida!

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