Rafael tinha fama de encrenqueiro por todo a vizinhança. Todos sabiam que conversar com ele não era algo nada fácil. Ele articulava todos os movimentos, fazia com que as pessoas tentassem pensar por conta própria, mesmo sabendo do risco que corria fazendo isso.
Numa tarde de domingo, Rafael conversava com Juca, um dos seus vizinhos, com quem tinha inúmeras discussões sobre os temas mais variados. Em determinado momento da conversa, Juca questiona Rafael:
- Nossa, a Patrícia é linda, não acha?
- Depende, depende.
- Como assim depende? Vai me dizer que você não acha ela bonita?
- Digo de novo, depende.
- Você pode ser mais claro sobre isso?
- Você diz que ele é bonita, não é mesmo?
- É, foi o que eu disse!
- Pois então acredito que saiba o que é a beleza.
- Cara, não estou te entendendo. Como você tem a coragem de olhar para ela e não achá-la bonita?
- Eu não disse que sabia o que era a beleza. Você que disse que ela é bonita. Mas como dizer que alguém é bonita sem ao menos saber do que se trata a beleza? Vamos, me diga o que é a beleza.
- Eu acho que não sei o que é a beleza.
- Nem um palpite?
- Não sei, não sei porque acho a Patrícia bonita. Você tem razão!
- Não sei se tenho, o que é a razão para você?
- Eu ainda não sei nem o que é beleza, quanto mais a razão.
- Então como você usa termos que nunca ao menos se perguntou o real significado?
- Pensei que todo mundo fizesse isso.
- Talvez façam mesmo. Mas vamos, o que é a beleza?
- Eu não sei, Rafael, eu não sei! Deve ter a ver com ângulos e formas.
- Então a beleza tem a ver com a matemática?
- É claro!
- Mas a matemática é um dado absoluto, já a beleza é um dado relativo.
- Como assim?
- O que é belo para mim, pode não ser para você. As coisas não são gostáveis em si, são gostáveis a medida que alguém gosta.
- Então por que a maioria das pessoas acha a Patrícia bonita e a Letícia feia?
- Porque existe uma ideia de beleza que nos foi implantada pela sociedade. E quando vemos algo que nos pareça com os padrões impostos pela sociedade, vemos beleza naquilo.
- Isso tudo faz sentido. É por isso que as pessoas daqui da vizinhança te acham um homem muito sábio e corajoso. Eu gostaria de ter essa sabedoria!
- Eu não sou sábio.
- Claro que é, olha as coisas que diz!
- Pois então me diga: o que é a sabedoria?
Nesse momento, Juca fica enfurecido com a nova indagação de Rafael e diz:
- Não tem como conversar contigo! Falamos alguma coisa e você vem com essas perguntas filosóficas, o tempo todo! Nunca para, não consegue ter uma conversa normal com as pessoas, tem sempre que indagar, questionar, encher o saco de todo mundo!
Juca sai andando e sem nem olhar para trás, abre o portão da vila e segue em direção ao bar. Lá, encontra três vizinhos da vila e desabafa:
- Aquele Rafael é muito folgado! Voltou a me perturbar com aquelas conversas dele.
Jorge, um dos vizinhos, que prestava bastante atenção, diz:
- Concordo, não aguento mais esse cara na nossa vila!
Demócrito diz:
- Também acho, seria legal se déssemos um jeito desse cara ir embora da nossa vila!
O terceiro vizinho, Carlos Alberto, concorda:
- É verdade, vamos nos livrar dele!
E assim fizeram, reuniram-se com toda a vizinhança, algo em torno de cinquenta pessoas e marcaram um julgamento bem no meio da vila para condenar e expulsar Rafael.
Depois de muitas discussões, debates e conversas, decidiram que fariam uma votação com voto aberto para decidir o destino de Rafael. Ele teve quarenta e quatro votos contra e apenas nove a favor.
Juca o comunicou que a decisão de todos seria imposta ao dono da vila e que se Rafael quisesse, era melhor que partisse logo, o mais rápido possível.
Rafael não entendia muito bem o motivo que o fazia ser odiado, talvez fosse a sua ironia, sua argumentação baseada em provar que as pessoas não sabiam o que afirmavam saber, mas o que de fato o incomodava era saber que não era aceito por ninguém.
Resolveu se matar por livre e espontânea vontade, bebendo cicuta, um líquido venenoso que proporciona uma morte lenta dolorosa.
Numa tarde de domingo, Rafael conversava com Juca, um dos seus vizinhos, com quem tinha inúmeras discussões sobre os temas mais variados. Em determinado momento da conversa, Juca questiona Rafael:
- Nossa, a Patrícia é linda, não acha?
- Depende, depende.
- Como assim depende? Vai me dizer que você não acha ela bonita?
- Digo de novo, depende.
- Você pode ser mais claro sobre isso?
- Você diz que ele é bonita, não é mesmo?
- É, foi o que eu disse!
- Pois então acredito que saiba o que é a beleza.
- Cara, não estou te entendendo. Como você tem a coragem de olhar para ela e não achá-la bonita?
- Eu não disse que sabia o que era a beleza. Você que disse que ela é bonita. Mas como dizer que alguém é bonita sem ao menos saber do que se trata a beleza? Vamos, me diga o que é a beleza.
- Eu acho que não sei o que é a beleza.
- Nem um palpite?
- Não sei, não sei porque acho a Patrícia bonita. Você tem razão!
- Não sei se tenho, o que é a razão para você?
- Eu ainda não sei nem o que é beleza, quanto mais a razão.
- Então como você usa termos que nunca ao menos se perguntou o real significado?
- Pensei que todo mundo fizesse isso.
- Talvez façam mesmo. Mas vamos, o que é a beleza?
- Eu não sei, Rafael, eu não sei! Deve ter a ver com ângulos e formas.
- Então a beleza tem a ver com a matemática?
- É claro!
- Mas a matemática é um dado absoluto, já a beleza é um dado relativo.
- Como assim?
- O que é belo para mim, pode não ser para você. As coisas não são gostáveis em si, são gostáveis a medida que alguém gosta.
- Então por que a maioria das pessoas acha a Patrícia bonita e a Letícia feia?
- Porque existe uma ideia de beleza que nos foi implantada pela sociedade. E quando vemos algo que nos pareça com os padrões impostos pela sociedade, vemos beleza naquilo.
- Isso tudo faz sentido. É por isso que as pessoas daqui da vizinhança te acham um homem muito sábio e corajoso. Eu gostaria de ter essa sabedoria!
- Eu não sou sábio.
- Claro que é, olha as coisas que diz!
- Pois então me diga: o que é a sabedoria?
Nesse momento, Juca fica enfurecido com a nova indagação de Rafael e diz:
- Não tem como conversar contigo! Falamos alguma coisa e você vem com essas perguntas filosóficas, o tempo todo! Nunca para, não consegue ter uma conversa normal com as pessoas, tem sempre que indagar, questionar, encher o saco de todo mundo!
Juca sai andando e sem nem olhar para trás, abre o portão da vila e segue em direção ao bar. Lá, encontra três vizinhos da vila e desabafa:
- Aquele Rafael é muito folgado! Voltou a me perturbar com aquelas conversas dele.
Jorge, um dos vizinhos, que prestava bastante atenção, diz:
- Concordo, não aguento mais esse cara na nossa vila!
Demócrito diz:
- Também acho, seria legal se déssemos um jeito desse cara ir embora da nossa vila!
O terceiro vizinho, Carlos Alberto, concorda:
- É verdade, vamos nos livrar dele!
E assim fizeram, reuniram-se com toda a vizinhança, algo em torno de cinquenta pessoas e marcaram um julgamento bem no meio da vila para condenar e expulsar Rafael.
Depois de muitas discussões, debates e conversas, decidiram que fariam uma votação com voto aberto para decidir o destino de Rafael. Ele teve quarenta e quatro votos contra e apenas nove a favor.
Juca o comunicou que a decisão de todos seria imposta ao dono da vila e que se Rafael quisesse, era melhor que partisse logo, o mais rápido possível.
Rafael não entendia muito bem o motivo que o fazia ser odiado, talvez fosse a sua ironia, sua argumentação baseada em provar que as pessoas não sabiam o que afirmavam saber, mas o que de fato o incomodava era saber que não era aceito por ninguém.
Resolveu se matar por livre e espontânea vontade, bebendo cicuta, um líquido venenoso que proporciona uma morte lenta dolorosa.
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