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O pseudônimo

Pedro era um rapaz prodígio. Tinha vinte anos e era um excelente cantor. No entanto, era poucos os que sabiam disso. Nem mesmo a família tinha se dado conta de tal talento do jovem rapaz. E além disso, era de uma timidez afinadíssima. 
O pai de Pedro, Seu Juca, gostava de fazer churrasco nos finais de semana, sempre ao som de uma boa viola e de um grande cantor, o Durval. Mas nesse churrasco, que era para ser só mais um churrasco de final de semana, aconteceu algo completamente inesperado: Pedro resolve cantar junto com Durval, e incrédulo, seu pai ouve aquilo com grande apreciação. No mesmo instante, comenta:
- Meu filho, eu não sabia que você tinha essa voz maravilhosa! Que talento! Por que nunca cantou antes?
- Eu não sei, pai. É que sou muito tímido, fico com vergonha de cantar na frente de todas essas pessoas. 
- Para de bobeira, aqui só tem o pessoal da família e os amigos mais chegados. 
- Por isso mesmo. O que vão pensar de mim? Que sou cantor? Que sou vagabundo? Todo mundo sabe que quem canta é visto como vagabundo. 
- Não, nada disso. Canta quem tem talento. Quem nasceu para isso! Tem que ter o dom!
- Pai, você...
E Seu Juca nem permitiu que Pedro terminasse a frase, interrompendo-o:
- Você tem que ir se apresentar lá no show de talentos da Radio Nacional! 
- Enlouqueceu? 
- Olha, moleque, não me chame de louco! Ainda te dou uma porradas, hein?!
- Me desculpe. 
- Amanhã é segunda, vamos na Radio Nacional!
Pedro arregalou os olhos, incrédulo com a descoberta de seu pai e ainda mais incrédulo pelo fato de agora ter que cantar para um juri de pessoas totalmente desconhecidas. Essa ideia o apavorava. Uma coisa era cantar entre os amigos, outra era cantar para uma plateia. 
Segunda de manhã, Seu Juca vai até o quarto de Pedro e o acorda:
- Pedro, levanta, meu garoto! Temos que ir na Rádio Nacional. Hoje é um grande dia. 
- Pai, o senhor tem certeza disso?
- É claro meu filho, é claro que tenho! Com essa voz, é até covardia recusar um convite desses!
Depois de muita insistência, Seu Juca consegue fazer com que Pedro levantasse da cama e fosse se arrumar para então, pegar o ônibus rumo à rádio. 
Chegando lá, o pai tomou a frente e quis se informar sobre o show de talentos que ia ao ar todos os domingos. Perguntou para a recepcionista:
- Bom dia, eu gostaria de informações sobre o show de talentos. 
- É para o senhor?
- Não, para o meu filho, esse que está aqui do meu lado. 
- Ah, tudo bem. O senhor precisa ir na sala dezoito. Vou chamar o segurança para levar o candidato até lá. Ele não pode ir com nenhum acompanhante. 
- Certo, vou ficar aqui esperando. 
Poucos instantes depois, surge um homem com mais de dois metros de altura, que se identificou e se prontificou a levar Pedro até a sala dezoito. E assim foi feito, o segurança bateu na porta, e quem atendeu foi o apresentador do programa, o ilustre Clóvis de Almeida. Sem a aprovação prévia de Clóvis, os candidatos já eram descartados ali mesmo. O apresentador convidou Pedro para que entrasse na sala e já foi cumprimentando-o:
- Bom dia, seja bem vindo. Qual é o seu nome?
- Bom dia, Seu Clóvis, é uma grande honra estar aqui com o senhor. Me chamo Pedro. 
Clóvis, sempre carismático, apertou a mão de Pedro e continuou:
- E então, meu jovem. Quantos anos?
- Tenho vinte. 
- Bem menino. Quais notas você se sente mais confortável para cantar?
- Acho que Mi, Lá e Fá. 
- Muito bom, tem alguma inspiração?
- Gosto muito do Roberto Carlos. 
- Ele é mesmo ótimo! Bom, para que você possa disputar com os outros, precisa passar pela minha aprovação prévia. O que escolheu?
- Gosto de A Volta, do Roberto. 
- Muito bem, pode começar a cantar.
Pedro cantou, mesmo que muito nervoso, conseguiu se sair bem. Conseguiu deixar Clóvis de Almeida encantado com a sua voz:
- Meu garoto, que voz! Você tem disponibilidade para ensaiar durante essa semana?
- Tenho sim. 
- Ótimo, começa hoje mesmo a ensaiar. Domingo você se apresenta!
- Sério? Tão rápido assim?
- O mais rápido possível, meu caro. Tempo é dinheiro. Os ensaios são realizados na parte da tarde, você vai ensaiar a semana inteira. Com essa voz, nada pode dar errado. 
Se despediram, Pedro não tinha ideia de que iria se apresentar ao vivo, em rede nacional, no maior sucesso da rádio, num intervalo de menos de uma semana. Aquela ideia de se apresentar ao vivo e ainda para a plateia da rádio, o atormentava. 
Durante a semana, Pedro foi muito bem nos ensaios, seu instrutor estava bem satisfeito e sabia que Pedro seria um sucesso absoluto. Seu único receio, era quanto a timidez de seu aluno. Mas ele não sabia mais o que fazer quanto a isso. 
Chega o grande dia, Pedro seria o primeiro a entrar no palco, com uma plateia com mais de cem pessoas, o auditório da rádio era enorme, e estava apinhado de gente. Clóvis de Almeida o apresenta, com muita animação:
- Senhoras e senhores, com vocês, o menino prodígio de São João de Meriti: Pedro!
E Pedro caminhou em direção ao palco, aflito. Deu o seu melhor. Entretanto, era evidente a sua falta de carisma com a plateia. O menino mal se mexia, não alegrava nem a uma mosca. O que tinha de voz, tinha de timidez. 
As pessoas que ouviram pela rádio, adoraram. Mas Clóvis de Almeida sabia que tinha que dar um jeito na apresentação ao vivo de Pedro, caso ele quisesse ter realmente alguma chance de ganhar o programa. No fim das apresentações do dia, foi falar com Pedro:
- O que houve, meu garoto? Por que travou tanto?
- Eu não sei, Seu Clóvis. Eu simplesmente travei. Fiquei muito nervoso. 
- Garoto, isso acontece com todo mundo na primeira vez. Você... não tem um nome artístico, ou tem?
- Não, não tenho. 
- A partir de agora você é o Dom Pepe. E o Dom Pepe é um cara que fala com todo mundo, que é carismático, que sabe incorporar o personagem. O Dom Pepe é um lado seu que você ainda não conhecia, mas que vai te dar muitos frutos. Você vai viver o Dom Pepe, no palco e toda vez que precisar dele durante a vida. Olha, garoto. Eu mesmo não me chamo Clóvis, na verdade, sou um cara bem retraído. Precisei de um pseudônimo para sobreviver nesse mundo, e o Clóvis me fez ser o que sou hoje. A partir de hoje, você vai usar o Dom Pepe quando precisar. Vou te colocar na repescagem. Você vai ter mais uma semana inteira para ensaiar e no fim, vai se apresentar, confio em você, garoto. 
Pedro ouviu aquilo com muita atenção e se deu conta de que tudo aquilo parecia maluquice, coisa de gente louca, mas que poderia dar certo. 
Ensaiou durante a semana toda, mais confiante e com mais desenvoltura. No domingo, foi o último a se apresentar. Clóvis de Almeida o apresentou, já com o seu nome artístico:
- Senhoras e senhores, com vocês: Dom Pepe!
E apesar de todo o nervosismo inicial, Pedro, agora sobre o pseudônimo de Dom Pepe, fez a plateia ir a loucura. As senhoras ficaram em êxtase e as meninas, eufóricas. Ele tinha conseguido, Dom Pepe era tudo que ele precisava. 
Não ganhou a premiação final daquele domingo, mas conseguiu ficar em segundo lugar, o que lhe rendeu um lindo jogo de panelas e uma vaga para as fases seguintes do programa. No entanto, o que mais importava não era o prêmio financeiro, e sim uma nova vida, um personagem, uma máscara, ou como queiram chamar. Para se descobrir, Pedro precisou descobrir um eu além do que conhecia, e só assim teve a oportunidade aproveitar tudo o que a vida tem para oferecer. 

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