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A consciência

Sentado numa mesa, completamente apinhada de papéis, Barros tentava dar início a mais um de seus contos. Sabia que não seria fácil, afinal de contas, sofrera um terrível acidente no qual o deixou numa cadeira de rodas. 
A fase das reclamações e a fase de adaptação já tinha passado. O que lhe faltava, era inspiração. Com o acidente, Barros fora abandonado pela mulher, que também levou os três filhos que tinham, portanto, Barros ficou numa solidão imensurável. Mesmo tendo contato com os filhos quinzenalmente, ele não conseguia ter a inspiração necessária, parecia que algo não se encaixava, algo estava faltando. 
No interior de seu quarto, os ratos paravam para comer os pedaços velhos de uma pizza que ali estava há pelo menos três dias. O gato, que deveria dar fim a aqueles indesejáveis ratos, preferia ficar andando pelos telhados, em busca de aventuras noturnas. 
Barros olhava toda aquela situação com muito desgosto, afinal de contas, perdera grande parte da sua capacidade de locomoção, portanto, simples tarefas domésticas, se transformavam numa verdadeira batalha. 
A vontade de escrever nunca ia embora, por isso, mesmo sem nenhuma inspiração, Barros ainda assim perdia incontáveis minutos sobre aquela mesa, mesmo que olhando para a parede, esperando que a inspiração viesse. Não foi naquela noite fria de quarta-feira, o sono falou mais alto. 
No dia seguinte, um amigo de Barros, chamado Gonçalves, toca a campainha de seu apartamento, Barros vai lentamente em direção a porta, e questiona:
- Quem é?
- Sou eu, Barros, o Gonçalves!
Nesse momento, Barros abre a porta, e diz:
- Olá, meu amigo, seja bem vindo, pode entrar, a casa é sua. 
E assim foi feito, Gonçalves entra na casa e prontamente, inicia uma conversa:
- Como tem passado, meu amigo?
- Francamente, é uma eterna adaptação. Você acha que vai se sair muito mal no início, tem diversos pensamentos suicidas, no entanto, com o decorrer do tempo, acaba se adaptando com a situação. Nunca é uma coisa confortável, eu estaria mentindo se dissesse que é, mas com o tempo, torna-se suportável. 
- Não diria que posso te entender completamente, mas queria ao menos ter uma ideia. 
- Deixa disso, já basta o meu drama, não quero que outras pessoas sofram por isso. Já basta a minha mulher que simplesmente me deixou aqui, abandonado, sem ninguém, no momento mais difícil da minha vida. 
- Ela... não posso crer que ela fez isso. 
- Há momentos na vida que tudo que te resta é a solidão. São nesses momentos de puro vazio, que devemos refletir, que devemos nos questionar sobre o que estamos fazendo aqui e qual é a nossa obra. 
- Compreendo. 
- Eu poderia simplesmente desistir, dadas as circunstâncias, mas resolvi lutar. Resolvi que serei senhor dentro da minha própria casa. Talvez não valha a pena pensar tanto, quanto mais penso, menos feliz sou, e a minha infelicidade não me deixa mais triste, porém, mais consciente. Se tem uma coisa que não perdi nesse momento, foi a minha consciência, não fui abandonado por ela em nenhum momento, e em  nenhum momento procurei enlouquecer. 
- Por acaso está dizendo que a loucura é opcional?
- Não é essa a questão. A questão é que vivemos sem viver. Nossas escolhas são frutos de pensamentos alheios. Qual foi a última vez que você tirou nem que fosse cinco minutos para refletir sobre a sua vida?  
- Eu não me lembro, se fiz, já faz muito tempo! 
- Pois é, meu amigo, ninguém mais valoriza a reflexão da vida. Todos vivem uma vida que lhes foi dada. 
- Eu nunca tinha parado para pensar nessas coisas. Barros, escuta, eu tenho que ir. Acabei de me lembrar que tenho um compromisso com o meu filho em coisa de quinze minutos, vou chegar atrasado, mas ele pode esperar!
- Tudo bem, Gonçalves, obrigado pela visita. Quando sair, feche a porta, por favor. 
Gonçalves desceu as escadas do prédio de Barros com grande velocidade, não queria se atrasar mais uma vez para o compromisso com o seu filho. Quando finalmente se despediu do porteiro e chegou até a calçada, avistou um táxi do outro lado da rua e saiu correndo para pegá-lo, no entanto, o que ele esqueceu de fazer, foi olhar para ver se algum carro passava, e bem nesse segundo, um ônibus o atropelou. O impacto o fez voar por cinco metros de distância, morte instantânea, nem ao menos teve tempo de chegar ao chão com vida. Seu filho, teria uma longa e dolorosa tarde de espera.  

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